sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

O que o PT aprendeu com o golpe





Lincoln Secco

Publicado originalmente em http://brasileiros.com.br/2017/02/o-que-o-pt-aprendeu-com-o-golpe/


Quando o Partido dos Trabalhadores se consolidou como a principal agremiação política da esquerda latino americana ainda nos anos 1980, parecia que ele tinha uma vantagem: uma liderança carismática submetida a um partido organizado e não o contrário.
Ele não era nem como o peronismo, capaz de forjar tendências de direita e esquerda, e nem como os partidos centristas sem uma liderança reconhecida, como foram nos anos 1980 o PMDB e o PSDB no Brasil; e a APRA e a UCR no Peru e Argentina.
O PT foi uma novidade até a maior campanha de massas da história brasileira: as Diretas Já em 1984. A partir de sua derrota aquele partido federativo de núcleos de base cedeu lugar a um partido de uma direção majoritária: a Articulação dos 113. Anos depois, as tendências organizadas estabeleceram um modus vivendi e ingressaram no comando compartilhado do PT.
A disputa de tendências mais ou menos radicais escondeu o processo de sufocamento das organizações de base. Se por um lado a ala majoritária burocratizava o partido, por outro as alas de esquerda substituíam a voz das bases.
À margem do processo Lula permaneceu como elo direto entre as bases sociais sem organização reconhecida e a máquina partidária. Quando chegou ao poder, ele atendeu a maior parte das demandas populares básicas. Mas filtradas por propostas sociais do PT. Ele realizou o conteúdo, não o método. A exigência de baixo seria “atendida” pela expertise de burocratas de estado com sensibilidade social e não pela “doação” do líder, como no populismo que o PT execrava.
Assim, a esquerda usufruiu não do melhor do populismo latino-americano, mas do pior. Obviamente que o populismo aqui não guarda nenhuma relação com o seu uso jornalístico corrente. A liderança interpelada pelo povo se radicaliza dentro dos limites da ordem e contornava os obstáculos burocráticos de um estado impermeável à realização da vontade popular.
Aqui se deu o contrário. Embora a capacidade de Lula se impor não fosse pequena, o partido tinha força suficiente para contrapor-lhe duas barreiras de contenção: uma forte burocracia dirigente que transitou do sindicalismo e das máquinas locais ao estado; e uma ideologia mista republicana e socialista. Não me refiro aqui a Lula como pessoa, é óbvio, mas como símbolo de uma vontade coletiva.
O ecletismo ideológico não seria um mal em si na indecisão barroca do líder, mas se torna um erro fundante num partido com o nível organizacional do PT. Ele oscilou assim entre a soberba dos socialistas de Estado (a “nova classe”) e o falso republicanismo. Não se tratava de ganhos pecuniários, mas no fato de que se achavam investidos de uma missão: a de organizar o bloco de classes e as formas de produção adequadas para a construção da Nação.
Não seria uma novidade se não se cometesse o erro básico de não preparar o dispositivo de coerção adequado para tal empreendimento. Afinal, a questão nunca foi o limite burguês dessa leitura pois o partido nãos e propunha nenhuma revolução mesmo. E sim em esquecer que no Brasil não há uma classe burguesa nacional, só pode haver uma vanguarda nacional.
Não foi a toa que apolítica de redução de juros viesse acoplada à ilusão de que que empresários industriais optariam por um projeto nacional com os trabalhadores e não pela sua rentabilidade financeira. Ao fim das contas era o ajuste fiscal e a diminuição do custo do trabalho que podiam unificar a burguesia.
Quanto ao republicanismo, ele foi a outra trava que impediu aos dirigentes desenvolverem uma teoria do estado Latino Americano ou ao menos uma visão pragmática do mesmo. Pois nem isso foi possível e o pragmatismo desceu ao nível elementar dos conchavos de centro acadêmico ou de manobras de eleições sindicais.
Uma liderança com sua capacidade populista restrita por um partido muito bem organizado, mas nada revolucionário, pode pouco diante da reação do aparelho ampliado de estado contra o seu governo.
Ao que tudo indica, o partido aprendeu pouco com isso tudo. O apoio velado ou explícito a candidatos golpistas nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais é apenas um exemplo. A contrapartida de um partido parado em seu comodismo de Estado é a força de Lula que retorna como o líder das eleições de 2018, caso haja eleições. E caso ele não seja condenado para que não possa concorrer. Mas ele só sabe fazer uma política que já foi sepultada pelo golpe de 2016. E o seu partido nem aquela.
Às vésperas do VI Congresso o PT só pode retomar algum protagonismo se denunciar a natureza do Estado. Isso implica assumir a defesa de seus presos políticos, reconhecer a parcialidade do judiciário e a manipulação midiática. Isso não será feito sem a diminuição de suas bancadas mediante a submissão das mesmas a uma direção compartilhada do partido com movimentos sociais e frentes de resistência ao golpe.
Quando há um retrocesso político, a classe trabalhadora se agarra às suas instituições tradicionais e se mostra pouco disposta ao risco da radicalização e de novas formas de luta. No entanto, estas também vieram para ficar e não podem correr o risco da irrelevância ou do desaparecimento sob o Direito de Exceção, o qual condena a militância por crimes “comuns”. É preciso unir partidos, sindicatos, organizações de negros e mulheres e movimentos de todas as gerações e interesses.
Houve uma derrota e ela não foi só do PT. Mas da população brasileira. A estratégia será de longo prazo. O golpe de Estado visa se legitimar como um regime político com novos instrumentos de força “nacional”, acomodação de interesses na cúpula política e mudanças constitucionais.
Seus artífices sabem que não se arriscaram para devolver o governo dois anos depois. Mas com eles não haverá “paz social” e eles não se importarão com isso. Teremos uma resistência organizada ou mergulharemos numa violência desconhecida? A resposta depende apenas dos que se comprometem com os requisitos mínimos da “civilização”, ou seja: uma esquerda que consiga ser popular.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

NOTAS RÁPIDAS SOBRE O TRIUNFO da DIREITA NEOLIBERAL e a OPOSIÇÃO AO GOLPE.






John Kennedy Ferreira*

No início de maio de 2013, o governo petista mostrava-se forte, robusto e a militância governista esnobava seus adversários. A aprovação da presidenta alcançava índice superior a 70%. Três anos depois, é “impichada” com uma aprovação de 10%.
O governo caiu sem luta, sem conseguir esboçar uma resistência real que fosse além das redes sociais e de manifestações das vanguardas de Esquerda.
O que ocorreu, entre 2013 a 2016, que permitiu que o projeto lulopetista fosse a nocaute? O que fez com que a base de apoio do "maior partido de Esquerda do Ocidente" abandonasse seu comando e ficasse apática e distante de seus líderes???

NARRATIVA
Em 2013, o pequeno Movimento Passe Livre -- com a pauta focada na má qualidade do Transporte público brasileiro -- chama Manifestações contra o aumento das passagens em São Paulo. Ao contrário dos anos anteriores, as manifestações foram fortes, a repressão falhou e a movimentação tomou proporções inesperadas conjuminando em um amontoado de bandeiras de luta que iam contra o aumento do transporte em R$ 0,20 (vinte centavos) passando ao preço do "litrão", chegando a várias demandas nacionais como as questões tributárias, educacionais e políticas.
Essencialmente, a Juventude mostrava seu descontentamento com a falta de perspectiva apresentada pelos diplomas em instituições de Ensino de qualidade duvidosa, empregos precários, a superexploração do trabalho, excesso de horas no trânsito caótico, frente ao constante endividamento pelo universo consumista de Classe Média... Ou seja, o protesto não era apenas por vinte centavos; foi uma crítica espontânea e subjetiva de massas que a objetividade política das agremiações, à Esquerda, não soube responder e organizar, abrindo margem para ação da Direita.
Em meados de junho, os jornais e tevês inicialmente contrários ao movimento mudam repentinamente de lado. Foi a senha mostrando que algo além de aviões de carreira estava no ar. Então, palavras de ordem contra os sindicatos, carros de som, contra a cor vermelha, as bandeiras das organizações sociais e partidos de Esquerda passaram a dominar as passeatas. O auge e principal teste deu-se na passeata da Av. Paulista (21/06/2013) quando milhares de militantes de Esquerda foram expulsos a tapa da manifestação e, alguns dias depois, o comandante da truculenta polícia paulista sentou-se no chão junto com manifestantes em apoio as demandas genéricas da Juventude sob aplausos entusiásticos de mais de 100 mil pessoas.
A resposta governista propondo uma reforma política ficou aquém da ansiedade subjetiva das multidões. A crítica emocional contra a corrupção brasileira crescia entre os setores descontentes da Classe Média e no Proletariado identificando no governo Dilma e nas Esquerdas os responsáveis pelo suposto caos nacional.
Conforme as Esquerdas e os Movimentos Sociais começam a retomar a iniciativa -- a partir da imensa greve dos professores cariocas --, a repressão volta pesada desmobilizando a greve e as manifestações de apoio.
Nesse mesmo período, os grupos mais radicais do Movimento são desmantelados com a morte das lideranças Black Bloc de São Paulo e a criminalização de ativistas cariocas pela morte de um jornalista da Band alvejado por um rojão de vara sem vara (sic!!!).
Entramos em 2014 com os principais veículos de comunicação colocando no ar articulistas alinhados à oposição de Direita. Assim temos a aparição na CBN, Globo, Veja, OESP, Folha, Band, Época, Isto É... de figuras como Reinaldo Azevedo, Constantino, Merval, Villa, Jabor, Gentili... que durante todo o ano eleitoral bombardearam sem parar o governo tendo como tecla a corrupção petista e a explosão do déficit público.
          A escolha da candidatura Aécio Neves (PSDB), um excelente orador, além de político astuto e agressivo, mostrou a disposição da Direita neoliberal em sair do corner e partir para o ataque. A campanha aprofundou a tática de José Serra (PSDB), desenvolvida no Segundo Turno de 2010, pela newcon Soninha Francine (PPS) onde toda a sorte de preconceito e críticas conservadoras foram apresentadas, de forma direta e indireta à Sociedade.
Os veículos de comunicação bombardeavam dia e noite a questão da corrupção do governo e as prisões sem provas (Ação Penal 470) -- através do "domínio dos fatos" -- de José Dirceu, José Genoíno e outros membros da cúpula petista; davam, assim, a cara de uma Campanha Eleitoral onde a única coisa que restava ao PT era a derrota.
Mesmo com todo ataque midiático e jurídico, mesmo com a união de todas as candidaturas derrotadas, no Primeiro Turno, em torno da candidatura Aécio, Dilma Roussef é reeleita por pequena margem de votos.
Dois dias depois a presidenta e o ex-presidente Lula sobem o Alvorada vestidos de branco, simbolicamente demonstrando que estavam dispostos a negociar.
O programa neodesenvolvimentista propagandeado na campanha é trocado pelo receituário marginalista neoliberal de Joaquim Levy como meio de acalmar o Mercado. Mesmo assim, a ofensiva da Direita não para; o PSDB pede recontagem das Eleições alegando fraude, grupos anticomunistas fanáticos como Movimento Brasil Livre, Vem pra Rua e Revoltados On Line declaram ilegítimo o governo e chamam uma gigante manifestação antidilma e anticorrupção para 15 de março de 2015.
A QUEDA
Esses atos foram financiados, por baixo do pano, por partidos de Direita (PSDB, DEM, e mesmo o PMDB) e por grupos estrangeiros. Também foram apoiados de maneira explícita por grandes órgãos de imprensa que na data suspenderam a programação normal para mostrar a indignação dos setores médios contra o governo e a corrupção.
Ao mesmo tempo, o Parlamento eleito, o mais conservador desde 1964, dominado pela Bancadas da Bíblia, Agronegócio, Bancada da seguranca (bancada da Bíblia, Boi e Bala) agiu de modo a bloquear a agenda do governo e fortalecer os movimentos de rua e a Operação Lava a Jato promoveu ações jurídicas; sempre dentro do "domínios dos fatos” apontando supostos envolvimentos de petistas em crimes sem evidências; notícias que foram (e são) espetacularizadas pela midia.
O Judiciário foi, então, crescendo como um Leviatã contra os direitos dos envolvidos, que sofrem linchamento midiáticos constantes sem a menor possibilidade de efetiva defesa.
A base de sustentação do governo Dilma (Burguesia interna, parte da Burocracia técnica civil-militar) é criminalizada e vários empresários e quadros da tecnocracia do Estado são detidos. Isso tudo é veiculado com estardalhaço e como condenação do “governo corrupto”.
Os atos e agressões contra ex-ministros, candidatos do PT, membros de sindicatos, artistas, intelectuais -- ligados ou simpáticos ao PT -- ou de meros militantes e mesmo transeuntes trajando vermelho (e às Esquerdas) crescem exponencialmente em todo país tornando-se uma febre em estados mais conservadores como Paraná, Rio de Janeiro e principalmente São Paulo.
As medidas do governo, longe de enfrentar a crise a aprofundam. O governo Dilma apresentou a Agenda Brasil, como forma de acalmar o Mercado principalmente as frações rentistas da Burguesia, da Pequena Burguesia e da Classe Média, mas não obteve sucesso!!! Joaquim Levy leva o país de uma crise fiscal a uma recessão e no fim do ano de 2015, em meio a toda trapalhada feita, anuncia sua demissão, denotando que o setor rentista abandonava o governo.
A contraofensiva governista objetivou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha do PMDB, suposto aliado que agia como Cavalo de Troia no centro da crise. Ele é denunciado por várias ações ilegais na Suíça; o que motiva o Congresso a pedir seu afastamento. No mesmo dia, Cunha passa o troco e aceita o pedido de impeachement da presidenta. Nesse momento o Brasil é cindido em dois campos claros: o da Legalidade e o do Golpe.
A campanha mediática, atos pró-impeachment, agressões físicas, as ações jurídicas crescem e ganham a forma de espetáculos diários. No Parlamento toda a iniciativa do governo é bloqueada e sua base parlamentar vai se esfacelando com a debandada de setores do PMDB, PTB, PP... A ofensiva chega ao auge com a tentativa de prisão de Lula em março de 2016; o governo busca retomar o ataque com as nomeações do neodesenvolvimentista Nelson Barbosa, Eugênio Aragão na Justiça e Lula para a Casa Civil e a promessa de aumento do Salário Mínimo.
Lula ainda buscou rearticular a base governista e negociar com setores do Congresso e das classes dominantes anunciando medidas de apaziguamento do Mercado acenando com Henrique Meireles. No entanto, já era tarde. O governo desmoralizado marchou, em flagelos, ao cadafalso onde os deputados justificaram o voto no Impeachment da presidenta em nome da família, mulher, filhos e de seus negócios privados etc. e em seguida as votações no Senado selaram o fim de 13 anos de lulopetismo.
A Classe Média radicalizada nas ruas bateu panelas, tirou selfies de casamento junto ao pato da Fiesp e confiou que haveria uma retomada do crescimento do país e a corrupção superada. Ledo engano, o governo Michel Temer sofre várias acusações de cleptocrático e plutocrático, produtor de uma austeridade econômica contra os setores médios e populares como atestam o rol de Medidas Provisórias expressas em todas as áreas; ou seja, a Classe Média está descobrindo - que ela -  pagará o pato.

ESTRATÉGIA e TÁTICA
A ação das Classes dominantes teve como objetivo a conquista do Estado e o deslocamento de um projeto que -- mesmo burguês -- não atendia o interesse dos principais grupos dos capitais associados. Dessa forma foi preciso antes de tudo derrotar o governo e condenar os setores das Classes dominantes vinculados a um projeto timidamente neodesenvolvimentista.
A partir da trama golpista de 1964, bem detalhada no estudo de René Armand Dreifuss, “1964: A CONQUISTA DO ESTADO, Ação Política, Poder e Golpe de Estado” pode-se entender que o Golpe teve um comando central que articulou todas as iniciativas; das agressões de rua, às passeatas, os panelaços, o bloqueio parlamentar, a ação da midia tradicional e de redes sociais que dominaram com êxito a informação e contrainformação.
Essa ação de Inteligência possuía propósitos definidos; desmoralizar o governo, inviabilizar sua capacidade de reação e bloquear a comunicação com sua base. O resultado foi exitoso em todos os ângulos. O Golpe transcorreu com os ritos de “normalidade”, o bloco dominante conseguiu demonizar as agremiações à Esquerda, tendo ainda a capacidade de legitimar sua hegemonia nas eleições de 2016 com o PSDB, PMDB e demais partidos de Direita e Centro-Direita surgindo como grandes vitoriosos. Os partidos de Esquerda PT e PCdoB, marginalizados, vencendo em apenas duas capitais (Rio Branco e Aracajú) e os partidos de Centro-Esquerda (Rede, PDT) em outras três capitais. Todas eleições ganhas em Estados de menor envergadura no cenário político nacional. O PSOL obteve um crescimento pequeno, muito aquém do esperado, elegendo uma pequena bancada ligada aos Movimentos identitários.
O centro da ação golpista teve como fim a construção de uma nova plataforma política veiculada ao modelo neoliberal de desenvolvimento econômico associado com a reestruturação produtiva promovida pela Quarta Revolução Industrial (4 RI) e a necessária reestruturação do Estado e de sua Constituição Federal.

O QUE ESTÁ em JOGO?
Com crise da Nasdaq (2000) em que os EUA (e também a UE) mergulharam numa desaceleração econômica e as saídas, como as Guerras do Iraque e Afeganistão, não surtiram efeitos esperados; o colapso, longe de acalmar, explodiu na bolha especulativa de 2008.
Ao mesmo tempo, a China e a Rússia adotaram outra forma de desenvolvimento e acumulação, centrada na ação do Estado que se tornou modelo a países como o Brasil, Argentina, Venezuela e outros Estados que vinham sendo devastados pelas políticas neoliberais das décadas de 1980 e 1990. Ou seja, temos dois grandes modelos de desenvolvimento capitalista em disputa; um centrado nas políticas neoliberais orquestradas em benefício das grandes transnacionais e outro modelo, baseado na ação desenvolvimentista do Estado.
A saída neoliberal jogou para uma desorganização da soberania de todos os países que tinham (e tem) posição autônoma e/ou crítica em relação às políticas neoliberais. Assim, a série de Golpes de Estado como o do Paraguai, Honduras, Brasil ao lado das Primaveras (regime change) do Egito, Líbia, Ucrânia etc., estão de um modo ou outro vinculados à solução da crise neoliberal e a Segunda Guerra Fria como observa Moniz Bandeira.
Na Opera Mundi, as relações imperialistas exigem que as dinâmicas sejam alinhadas a um modelo de desenvolvimento capitaneados por cerca de 600 corporações transnacionais, onde os direitos civis e trabalhistas e a soberania dos Estados secundadas às normatizações privadas expressas em tratados recém-assinados como os Tratados Transatlântico e Transpacífico.
Por essa lógica, há um processo de apropriação privado do público que envolve desde ativos até cidades como um todo. Isso define o discurso antipolítica e o enaltecimento exagerado ao administrativismo como parte de todo um mecanismo onde os governos se subordinam às regras do Mercado e, dessa forma, (governos) apenas administram a execução dos interesses privados.
E é só nesse contexto, de desregulamentação do Estado -- provedor brasileiro (e de outros países) -- que podemos compreender as ações nefastas e o Golpe sofrido pelo governo de Dilma Rousseff.

CONTRADIÇÕES
Três fatores relativamente recentes podem ter consequências profundas no realinhamento político global. Primeiro; a saída da Inglaterra da União Europeia (UE) cria um grande empecilho para que a UE   se apresente como uma opção à crise do imperialismo estadunidense e fragiliza ainda mais sua consolidação (UE). Segundo; a eleição do protecionista Donald Trump que mesmo de modo conservador coloca em xeque as principais teorias e saídas apresentadas pelos teóricos neoliberais. E o terceiro e último fator importante; a vitória do Exército sírio sobre os grupos opositores que aponta para a consolidação de uma aliança sólida, além de econômica e militar, entre Rússia e China.
CENÁRIOS
A operação (Lava Jato) conta com o apoio militante de amplos setores da alta Classe Média, em especial no Judiciário. Cabe ressaltar que foi através desse núcleo que foram aprisionados políticos, burocratas, técnicos e dirigentes de uma parcela da Burguesia interna. Também serviu de instrumento para intimidar e forçar a capitulação de outros setores como a Fiesp que somente em dezembro de 2015 bandeou de lado.
A agenda, então, passa por diminuir o tamanho do Estado privatizando/ desnacionalizando áreas produtivas e reduzindo a intervenção promovida durante o período lulopetista. Aqui se observa a tensão entre o grupo do PMDB -- que acabou por herdar apoio significativo da burguesia interno -- e os setores do PSDB/DEM. O fato é que uma desregulamentação total da estrutura de Estado abala seriamente núcleos burgueses locais inviabilizando o próprio funcionamento da Economia e da Sociedade, como ficou claro na Carta dos Governadores do Nordeste sobre o ajuste fiscal e, também, em setembro de 2016, os reclamos dos governadores do Centro-Oeste, Norte e Nordeste.
A exigência por uma desregulamentação plena da Economia é o fulcro da tensão e da Luta de Classes entre a fração interna da Burguesia, a fração   externa associada e a parcelas de Classe Média neoliberais.
Há um acordo tácito entre as frações burguesas sobre as alterações exigidas pela restruturação produtiva internacional. Com isso, a necessidade de mudanças dramáticas nas leis trabalhistas, reforma da Previdência e mesmo o fim da CLT; pontos fortes que fazem eco e cimentam a unidade de todos os setores burgueses.
O tamanho do Estado é um ponto de tensáo entre os interesses das empresas nacionais-- que necessitam para o seu dinamismo de relações e proteção do Estado -- e o Capital externo -- que exige sua desregulamentação para otimizar a veiculação de seus produtos.

O Estado mínimo é visto por setores da Burguesia Interna como dobre de finados da indústria nacional; hoje com ínfima participação de um pouco mais de 10% no PIB brasileiro (já foi próximo a 25% na década de 1980). Isso é notório nas queixas contra o aumento de impostos e a volta da CPMF, como se viu em notas, manifestações e entrevistas de membros da Fiesp e outras federações industriais.
Isso tem desnudado o choque entre os grupos golpistas ligados à Burguesia interna (que tem dado trêmulo apoio a Michel Temer) e o setor do Capital associado hegemônico. Parece que a modernização conservadora do aparato do Estado, e a sua redução, encontra resistência em setores do PMDB e nos seus núcleos regionais. Em outro caminho, setores ligados ao Agronegócio exportador e ao Capital externo financeiro (DEM e PSDB) são favoráveis a maior abertura comercial e a diminuição do Estado; o que coloca em xeque o próprio governo Temer.
A continuidade da Agenda de Compromisso com a desregulamentação da Estrutura é o cerne por onde passa o avanço das negociações em cima da deposição (ou não) de Temer e a indicação pelo atual Parlamento de um presidente que cumpriria as exigências internacionais, além suspender as eleições de 2018 – uma possibilidade não descartada.
O cenário também apresenta a necessidade de um novo pacto de governo, pois a atual Constituição encontra-se praticamente destruída e as PEC’s (da Reforma da Previdência, Trabalhista e da Educação) deixam claro aos setores golpistas a necessidade de repactuar as relações de funcionamento do Estado. A questão de uma nova Constituição que incorpore a reestruturação produtiva e a reestruturação do Estado já é claramente defendida por vários setores golpistas. Estão em pauta propostas que vão de transformar esse Parlamento em Constituinte ou até mudar o caráter do pleito de 2018 (ou 2020).

A OPOSIÇÃO ao GOLPE
Fim de um ciclo histórico
A queda do governo Dilma Roussef e a retumbante derrota eleitoral do PT (e PCdoB) dá sérios sinais que uma etapa histórica está se fechando. A Esquerda brasileira viveu, desde a Proclamação da República, quatro ciclos históricos, a saber; o anarcossindicalismo até 1922, o putschismo capitaneado pelo PCB até 1935, ciclo reformista nacionalista até 1964 e de 1979 para cá, o ciclo petista.
A constatação relevante é que não há o que substitua a fase que está se esgotando; as plataformas cujo alicerce é o PCdoB reproduzem o ciclo pré-1964 (nacional-reformista) e as propostas defendidas pelo Psol expressam a mesma metodologia e mentis factus do PT. Portanto, a dificuldade em formar um comando político capaz de fazer frente ao Golpe encontra-se na própria raiz dos agentes políticos em questão.
Salientamos que o processo eleitoral mostrou esse embaraço; as forças progressistas e populares tiveram desempenho fraco, repetindo o mesmo leque de alianças com setores golpistas que levou o governo Dilma à derrota ou, por outro lado, sectarizando setores de Esquerda e Centro-Esquerda, privando-se de construir um polo alternativo mais amplo como foi a candidatura de Marcelo Freixo, no Rio de Janeiro.
Tais políticas equivocadas favoreceram enormemente as candidaturas de Direita e Centro-Direita que tiveram um desempenho espetacular nas urnas. Deve-se lembrar de que o fato de o tempo da Propaganda Eleitoral ser reduzido, atividades da Operação Lava Jato, combinadas ou não com a midia, debilitaram a coesão eleitoral e possibilitaram a ação crescente da Direita, em especial no triângulo São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte; cidades onde se encontram os principais núcleos do Proletariado e das Classes populares brasileiras. Destaca-se também a abstenção de cerca de 40% nessa região (em outras também), o que denota uma resistência passiva ou desencanto com o processo eleitoral.

A LUTA DEMOCRÁTICA
O povo brasileiro deve se preparar para um período de instabilidade política, fruto das contradições internas da pauta conservadora da Burguesia. Isso significará, que as contradições da agenda desnacionalizadora, antipopular, imposta pelo bloco burguês hegemônico enfrentarão também uma crescente resistência dos trabalhadores que já foi capaz de impor algumas derrotas; entre elas a volta atrás de agendas como Minha Casa, Minha Vida, do Minc e -- talvez a principal -- a desmoralização social do preposto golpista e de sua base de sustentação.
Destacam-se as manifestações culturais contra o obscurantismo, a luta dos profissionais ligados à saúde em defesa do SUS, a ocupação das escolas e faculdades contra a PEC 55 e a contrarreforma do Ensino Médio, a importante (e heroica) greve dos bancários, as manifestações dos professores universitários e, também, as mobilizações de massas promovidas pelas Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular.
É preciso um salto de qualidade político na ação de resistência que passa necessariamente por constituir uma plataforma de ação comum, com um comando comum, único e centralizado, capaz de bloquear a ação conservadora. Para tanto é urgente e necessário que as várias demandas locais sejam unificadas e as mobilizações, informação e atuação de massas tenham uma só diretriz.
As manifestações tão somente ganharão vulto e terão capacidade de ampliar, se for questionada a produção do valor e do lucro, setores como, professores e funcionários públicos não produzem mais valia, entretanto a sua ação atinge a circulação e/ou a ação/desempenho do Estado, todavia – como afirmado acima -- não afeta a produção e o  lucro e o bloco golpista enquanto tal. O bloco golpista só sentirá o limite quando a ação da resistência ganhar o proletariado industrial e a produção de valor. A partir desse momento e perspectiva será possível viabilizar uma Greve Geral antigolpista e pela Democracia sem adjetivos.
Até lá se faz mister a propaganda de sua necessidade, contudo jogar o funcionalismo público em seguidas greves contra um Estado neoliberal tem o mesmo efeito de atacar os panzers alemães com a Cavalaria polaca.
Mais do que nunca os quadros públicos da resistência como Marcelo Freixo, Luiza Erundina, Flávio Dino, Lula, Dilma Roussef, Ivam Valente, Ciro Gomes, Roberto Requião, José Pedro Stedile, Gulherme Boulos e outros tantos, precisam constituir um único palanque e uma agenda nacional, correndo as capitais e principais cidades do país.
É preciso que seja reaberto o diálogo com a população brasileira, apresentando alternativas às políticas golpistas, formulando respostas capazes de superar o Golpe e fazer avançar o nível de consciência dos explorados.

DUAS FORMAS de CAPITULAÇÃO
Importante é ter claro que há nesse atual momento político duas possibilidades claras de capitulação. A primeira diz respeito a formular uma avaliação errada de que a resistência significa avanço; há setores ultra-esquerdistas e sectários que creem que o núcleo do problema é derrotar as forças democráticas e populares e assim se construírem como nova direção política. Não raro, tais setores têm precipitado ações isoladas de vanguarda, dividindo Atos Públicos com palavras de ordem particulares como, por exemplo, “Fora Todos” o que facilita a ação da Direita. Esses grupos apenas se somam à Direita e essa prática empurra-os ao gueto, isola-os da população, fortalece – pelo lado negativo -- o espírito de seita e de “convertidos” e enfraquece a resistência ao Golpe como um todo.
A outra possibilidade de capitulação é a de apostar todas as fichas no Processo Eleitoral de 2018 e em um novo “sebastianismo” em volta da candidatura do ex-presidente Lula. Nesse caso, abre-se mão da organização política cotidiana, da organização das massas e subestimam-se a construção de novas lutas e conquistas e, também substimam a capacidade de articulação e força dos golpistas.
A ação da Direita não é ditada pelo respeito à construção democrática; é sim pautada pela destruição das conquistas populares e da democracia. Crer que, após a farsa do impeachment, serão respeitadas as regras do jogo é uma criminosa ingenuidade e pode constituir-se na pior capitulação política nessa conjuntura tão delicada.

(IN) CONCLUSÕES
A pauta regressiva imposta pelo Golpe -- em especial nas contrarreformas da Previdência, nas contrarreformas Trabalhistas, no teto de Gastos etc., tende agravar as contradições sociais e jogar o país numa avalanche de manifestações, em especial durante o período de dissídio salarial, entre Maio e Julho. Se não houver uma agenda consistente, com um comando consistente capaz de responder aos anseios sociais e à Organização de Massas, se não existirem propostas capazes de atender todos os setores que tenham contradições à agenda neoliberal, a tendência é esse anseio latente ser açambarcado pela onda conservadora como sucedeu nas manifestações da Juventude em 2013 e tem ocorrido nas periferias com a incorporação das vontades dos menos favorecidos à pauta regressiva e reacionária de grupos paramilitares,  de alguns cultos conservadores e mesmo a grupos proto ou fascistas.

*Professor da UFMA, Sociólogo, doutor em História Econômica USP, Pesquisador do NEILS/PUC/SP
Militante da Refundação Comunista e Filiado ao Psol